terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A bailarina

Era como se já ouvisse aquela linguagem muito antes de sequer conhecer as palavras. Não sabia como, mas a compreendia. Compreendia de uma maneira que ela própria reconhecia não beirar a sanidade. 
Ouvia, sentia, entendia e reagia.
Cada nota furtava-lhe o ar, penetrava-lhe as veias e lhe revirava a alma.
Lhe arrancava suspiros, suor.
O compasso fazia-a tremer em cada célula, as ondas levavam-na a êxtase.

Quando ocorria em público, aguentava firme, apressava o passo, e ao chegar em casa, trancava-se no quarto. Arrancava os sapatos e se entregava.

Fluía naquela estranha língua. Saltava, girava, jogava-se ao chão, lançava-se ao ar, retorcia o corpo dominado pela melodia. E se surpreendia a cada novo movimento. Seu corpo era capaz de decifrar em gestos cada vibração musical. Suas terminações nervosas reagiam tão ferozmente à harmonia que parecia não ser o cérebro quem a comandava. 

Fundir ao calor do som já lhe era necessidade fisiológica. Dançava porque precisava dançar. Tinha de dançar. Era seu mais forte ponto fraco.

Havia quem a julgasse dura, fria, impenetrável. Mas a dança era seu calcanhar de aquiles. Fazia aqueles olhos vazarem em lágrimas. Descompassava-lhe o ritmo cardíaco como homem algum fora capaz de fazer.

Era sua paixão. 
Seu mais profundo devaneio.
O único sonho que se permitia viver acordada.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

des_Equilíbrio

Êta escola de samba desgovernada essa vida réia tresloucada!                                                                                                 
Quando a gente acha que encontrou a razão essa arteira vem e te faz um furacão!                                                                                    
Se tu escolhes um caminho seguro, um equilíbrio, vem essa bicha louca te jogar numa bela corda bamba acima do precipício.

Só pra te ver tremer, vacilar, palpitar.

É justo naquela hora em que nós, pobres mortais nos entregamos ao sono, inevitável lapso de consciência, quando cansados nos recuperamos da rotina extensa, ela começa a trabalhar.
Junto com seus assistentes fiéis, é claro. Senhor Tempo e Doutor Destino (também conhecidos como Tico e Teco), todos comandados por Deus.

É quando você está dormindo, tranquilinho da silva que eles se encarregam de escrever o mais imprevisível roteiro pra você protagonizar, e sem nem te pagar cachê.  Bolam os mais maquiavélicos planos que sua mente sequer é capaz de imaginar.
Enquanto você está lá, fazendo sua viagem diária ao mundo dos sonhos esses danadinhos trabalham a todo vapor, estudando a forma MENOS SUTIL de te dar uma voadora de três pés, ou de te jogar de cara num punhado de excremento de cavalo, ou num lugar ainda mais perigoso: nos braços de alguém. 

É, caro cidadão: a vida te joga na parede e te chama de lagartixa!

É claro que no fim tudo o que ela quer fazer é te ensinar.

Mas se eu fosse você, começaria a pensar em não dormir!