Era como se já ouvisse aquela linguagem muito antes de sequer conhecer as palavras. Não sabia como, mas a compreendia. Compreendia de uma maneira que ela própria reconhecia não beirar a sanidade.
Ouvia, sentia, entendia e reagia.
Cada nota furtava-lhe o ar, penetrava-lhe as veias e lhe revirava a alma.
Lhe arrancava suspiros, suor.
O compasso fazia-a tremer em cada célula, as ondas levavam-na a êxtase.
Quando ocorria em público, aguentava firme, apressava o passo, e ao chegar em casa, trancava-se no quarto. Arrancava os sapatos e se entregava.
Fluía naquela estranha língua. Saltava, girava, jogava-se ao chão, lançava-se ao ar, retorcia o corpo dominado pela melodia. E se surpreendia a cada novo movimento. Seu corpo era capaz de decifrar em gestos cada vibração musical. Suas terminações nervosas reagiam tão ferozmente à harmonia que parecia não ser o cérebro quem a comandava.
Fundir ao calor do som já lhe era necessidade fisiológica. Dançava porque precisava dançar. Tinha de dançar. Era seu mais forte ponto fraco.
Havia quem a julgasse dura, fria, impenetrável. Mas a dança era seu calcanhar de aquiles. Fazia aqueles olhos vazarem em lágrimas. Descompassava-lhe o ritmo cardíaco como homem algum fora capaz de fazer.
Era sua paixão.
Seu mais profundo devaneio.
O único sonho que se permitia viver acordada.