Ácido e náusea feitos de tédio.
Composto de notas dissonantes e todos os sons mais feios.
É de matéria densa e pegajosa : se engancha nas tripas.
Contorce o estômago e corrói o fígado.
Desunera o sangue e amarela os olhos.
Deixa a pele sebenta.
Fede.
Azeda o leite e arruína o arroz.
Enverga o esqueleto.
Escorre lento sobre tudo e respinga ao redor suas gotas indesejadas.
É sólido mas se espalha, rastejante.
Enquanto seus tentáculos se expandem e se contraem, tenho ânsia de vômito.
O danado ainda ronrona, como se merecesse carinho, e ai de mim se não o satisfaço.
Toco o invólucro gelatinoso e em lenta agonia deslizo os dedos.
O ácido estomacal sobe involuntariamente à boca : engulo.
A teia agora me enlaça e adere ao meu corpo, e já não podemos nos dissociar.
Tomo a fera em meus braços e a oculto debaixo da blusa:
prefiro que não lhe vejam os dentes, pois parecem muito com os meus.
*
quinta-feira, 31 de outubro de 2019
sexta-feira, 25 de outubro de 2019
Azul - brilhante
É tempo da estiagem.
Tempo das reservas.
As lágrimas permanecem dentro para não gastar a água e a vida estocadas.
Por fora a superfície brilha, com sua blindagem de cetim intacta:
Foi para agora que teceram em nós a casca espessa.
O que está dentro não deve sair.
Não há do lado de fora nada que deva entrar.
O céu exibe um azul escandaloso e penetrante, e quanto mais a luz se expande e se intensifica, mais caem as folhas e mais se retrai a pupila.
É tanto sol que constrange a pele.
O desfile do astro-rei desgasta e produz dormências.
Empurra para a inevitável nudez dos galhos, para a espera do recomeçar dos ciclos.
Emudece e provoca recolhimento.
Suscita à quietude, à reflexão...
Induz o coma para preservar a vida.
Em dias ressequidos, a luz do sol é desejo de chuva...
Para quem espera a nuvem, o azul-brilhante é a cor da tristeza.
*
Tempo das reservas.
As lágrimas permanecem dentro para não gastar a água e a vida estocadas.
Por fora a superfície brilha, com sua blindagem de cetim intacta:
Foi para agora que teceram em nós a casca espessa.
O que está dentro não deve sair.
Não há do lado de fora nada que deva entrar.
O céu exibe um azul escandaloso e penetrante, e quanto mais a luz se expande e se intensifica, mais caem as folhas e mais se retrai a pupila.
É tanto sol que constrange a pele.
O desfile do astro-rei desgasta e produz dormências.
Empurra para a inevitável nudez dos galhos, para a espera do recomeçar dos ciclos.
Emudece e provoca recolhimento.
Suscita à quietude, à reflexão...
Induz o coma para preservar a vida.
Em dias ressequidos, a luz do sol é desejo de chuva...
Para quem espera a nuvem, o azul-brilhante é a cor da tristeza.
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terça-feira, 22 de outubro de 2019
Fadiga
Estou cansado das minhas palavras.
Cansado de ouví-las flutuar da minha boca e tocar seus ouvidos em vão.
Cansado de tecer as teias dos versos para neles captar alguma beleza repetida que você cansou de ver.
Para que servem os seus olhos?
Não é o mesmo o som que chega aos seus ouvidos?
Que janela escolheu para se ver?
Me ouço desfiando a mesma trama, sobre a mesma lógica e sob o mesmo céu, e antes que eu termine a primeira frase, como quem conhece o futuro, já me prevejo tristemente arrependido pela decisão de separar os lábios e esboçar algum som.
Eu devia ser silêncio.
Mais sábio, mais tenro.
Sustentar os ares do mistério didaticamente.
Retirar os óculos do rosto, suspirar e fingir que desisto, que entendo.
Deixar as bobagens a ver navios, devidamente sem resposta.
Me colocar em seu lugar, imaginar todas as causas, causos e acasos que lhe produziram e que te puseram pra olhar a vida daí.
Cascavilhar alguma última paciência, sustentar a face calma.
Sorrir e acenar.
Piscar lentamente os olhos e balançar a cabeça num sorriso amarelo.
Deixar passar a piada e a vida.
Deixar que ela passe em cima de você.
Deixar que a sua cara se espatife na primeira parede e que os estilhaços pontiagudos da sua língua atinjam em cheio o seu pé.
A dor então virá pra criar uma fresta na medida exata da luz que precisa entrar.
Enquanto faz careta e pula num pé só procurando alívio, descobrirá as sombras de dentro. Se assombrará com as feiúras que guardou e se sentirá pequeno, inacabado.
Com a dor, virá espaço para abrigar o mundo inteiro em amor.
E eu não terei mais que me cansar.
*
Cansado de ouví-las flutuar da minha boca e tocar seus ouvidos em vão.
Cansado de tecer as teias dos versos para neles captar alguma beleza repetida que você cansou de ver.
Para que servem os seus olhos?
Não é o mesmo o som que chega aos seus ouvidos?
Que janela escolheu para se ver?
Me ouço desfiando a mesma trama, sobre a mesma lógica e sob o mesmo céu, e antes que eu termine a primeira frase, como quem conhece o futuro, já me prevejo tristemente arrependido pela decisão de separar os lábios e esboçar algum som.
Eu devia ser silêncio.
Mais sábio, mais tenro.
Sustentar os ares do mistério didaticamente.
Retirar os óculos do rosto, suspirar e fingir que desisto, que entendo.
Deixar as bobagens a ver navios, devidamente sem resposta.
Me colocar em seu lugar, imaginar todas as causas, causos e acasos que lhe produziram e que te puseram pra olhar a vida daí.
Cascavilhar alguma última paciência, sustentar a face calma.
Sorrir e acenar.
Piscar lentamente os olhos e balançar a cabeça num sorriso amarelo.
Deixar passar a piada e a vida.
Deixar que ela passe em cima de você.
Deixar que a sua cara se espatife na primeira parede e que os estilhaços pontiagudos da sua língua atinjam em cheio o seu pé.
A dor então virá pra criar uma fresta na medida exata da luz que precisa entrar.
Enquanto faz careta e pula num pé só procurando alívio, descobrirá as sombras de dentro. Se assombrará com as feiúras que guardou e se sentirá pequeno, inacabado.
Com a dor, virá espaço para abrigar o mundo inteiro em amor.
E eu não terei mais que me cansar.
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