domingo, 30 de dezembro de 2018

Entranhas

O mal adentra em nós como podres raízes invisíveis e fétidas porém sólidas e cheias de vigor, desfazendo as coisas belas que com esforço desenháramos.
A capilaridade de suas veias é tão fluida e forte que assusta as artérias.
O bem se cristaliza, e assustado, se dissolve.
O oxigênio dá lugar ao carbono tão rapidamente quanto os olhos piscam, muito mais velozmente que a capacidade do peito de se renovar em ar puro, muito mais denso e permanente que a pureza anterior.
A poesia que carregáramos se deixa enlamear por tão pouco pó que só podemos concluir que a sujeira toda também vem de dentro:
um rio infinito de coisas nefastas e tristes.
Assim existimos.
Assim nos descobrimos, cobertos daquilo que mais odiamos e que parece mesmo ter brotado de nós.
Nos surpreendemos desenterrando cadáveres de ingratidão quando a resposta lógica deveria ser o bem.
Enxergamos por fim a confusa e paradoxal fonte de água doce que se descobre amarga, salobra e enturvecida.
Amedrontados, olhamos bem para dentro : não se vê o fundo, mas se vê o rosto.
Na imagem, o disforme e repulsivo eu.

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