quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Chuva

Sentimos a sua falta.
Eu, os galhos ressequidos do Ipê, cada fissura dos fundos de vale e cada folha.
Estávamos numa saudade tão imensa de te ver que parecíamos não lembrar o que faltava em nós.
Adormecidos, nos arrastávamos para o futuro sem pressa, suportando a poeira e o ar ressequido como quem já não se admira de nada.

Nos inundava o vazio, com seus braços infinitos.

As janelas dos carros, das casas e dos olhos já não podiam ser de cristal e luz quando a sua ausência dava lugar à vista embaçada de pó.
O vazio era imenso!
Mas você é tão maior!

Ouço o rugir do encontro das nuvens: ferozes e iluminadas, rasgando o céu gloriosas são anunciação da sua chegada.
Como um som que devora o mundo inteiro, você se aproxima depressa, invade e acorda os ouvidos como mais ninguém é capaz de fazer.
Todo o meu corpo está alerta, te reconhece e se vê em suas gotas.
Ouço o festival das milhões de gotas caindo sobre as folhas, e finalmente você está aqui.

Meus ouvidos agora são a música composta pelas bicas, vozes de um coral numeroso vibrando no ar, e meus olhos se fecham para ouvir.
Todas as superfícies que você toca se tornam instrumentos, e ressoam a seu modo a alegria da sua chegada... 
Sobre as telhas de barro soa o burburinho que dá suporte às melodias... às quedas d'água que cantam respingos nas poças, aos lençóis que escorrem sobre as paredes, ao fio de água que escorre sobre um vaso de vidro e é como a flauta doce a decorar o ar...

Abro meus olhos agora nítidos, e os pássaros cantam, como quem te vê.


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