Acabara de ser atingido pelo companheiro de bando e ainda
estava meio desorientado. Mas sabia que tinha que dar seu jeito, limpar o corpo
e continuar vivendo que a batalha não ia acabar tão cedo. Na hora do disparo ainda estava na antena de
transmissão, mas quando fora atingido saiu a esmo, e ao cair em si, estava em
cima de um galho da goiabeira. Olhou de lado e viu outros companheiros na mesma
condição. A mesma cara de desespero, um brilho sinistro na vista embaçada pós-
ataque. Ali, no galho, recuperando-se do
susto, Dorim planejou sua reviravolta: daria o troco. Os companheiros de galho
pareciam ter os mesmos sentimentos que os seus. Queria estar lá em cima da
antena, e aí, mirar em quem estivesse no degrau de baixo. Queria ver se repetir a cena que à pouco
vivera: o atingido sairia a esmo, vista turva e sentidos sem direção, até achar-se
num galho da goiabeira. E ele, lá de cima da antena, sorriria, feliz.
Resolvera aproveitar e beliscar uma goiaba, enquanto arquitetava a vingança. Pensando bem, podia ir mais longe, quem sabe achar uma outra antena com um outro desavisado na grade de baixo. E aí... puf! Atirava. Seria interessantíssimo. Só precisava achar uma goiabeira e uma antena.
Resolveu então partir em busca do lugar perfeito para a
execução do seu plano perfeito. Passou
por bosques e jardins, atravessou florestas e mangues... Subiu e desceu montanhas, se aventurou no
concreto das construções... desceu por uns abismos e avistou os trilhos do metrô... emergiu das
profundezas e sujou os pulmões com o ar da metrópole...
Já ia cansando-se de perambular, quando, ao ver uma fileira
colossal de postes de energia interligados por um montão de fios pretinhos, a
luzinha do seu cérebro acendeu.
É aqui! É aqui! - gritava seu subconsciente.
Agora era só ir pro fio de cima e esperar alguém chegar no
fio de baixo. E foi.
Não demorou muito e outros juntaram-se a ele. E aí, que
felicidade! Começou a atirar que nem um
louco em quem estava embaixo. Mas não acertou em ninguém. E aí, quando ele
percebeu, estava sozinho de novo. Os outros foram pra bem longe, agora. É que
perto do poste não tinha goiabeira. Aí, enraiveceu-se, e mirou no chão,
mesmo. E foi embora procurar a
goiabeira, pra poder abastecer de novo.
Acabou esquecendo-se do que tinha acontecido no poste e
continuou a vida.
Umas primaveras
depois, passou perto do poste sem querer. E quando viu, viu uma goiabeira. E aí, ficou tão, tão, tão, feliz que percebeu
que nem tava mais triste por não ter conseguido atirar em quem tava na grade de
baixo naquele dia que não tinha goiabeira. Porque agora tinha goiabeira, e porque
era toda dele porque no dia em que tinha comido goiaba, atirou no chão e a
goiabeira nasceu!
Os outros sabiás, quando viram que sabiá Dorim tinha uma
goiabeira só dele, resolveram também sair poraí atirando no chão pra ter uma
goiabeira só sua, linda de morrer feito aquela...
E aí, umas primaveras depois, debaixo da fileira colossal de
poste de energia, agora tinha uma fileirona linda de goiabeira cheia de goiaba
madura. E um belo dia, quando a dona Clara que morava na casa da
antena voltou pra casa de metrô, não sujou mais os pulmões com o ar da
metrópole!
É que umas primaveras
atrás, Dorim plantara umas sementinhas embaixo do fio do poste, e aí, umas
primaveras mais tarde, tudo tinha ficado melhor.
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