quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Cariri


   Faltavam cinco minutos pra meia noite, e depois de 11 intermináveis horas de estrada, chegaram ao hotel, que logo descobriram ser uma pousada. Que logo descobriram ser uma “pensão estudantil”, que logo descobriram não ter ar-condicionado, e nem ventiladores que dessem jeito no calor infernal que fazia.
Mas tudo bem, os quartos tinham janelas.
“De madrugada o tempo esfria”.
Só que não.

...
   
   Às cinco e meia da manhã, batidas violentas na porta do apartamento lhes arrancaram do sono que a pouco tinham conseguido agarrar-se.  Ainda meia zonza, ela reconheceu a gangue feminina que entrava furiosamente no quarto, liderada por ninguém menos que a professora de Geologia. Todas elas gritavam, histéricas, decididas a eliminar a preciosa indolência matinal e obrigá-las iniciar o dia.

   Tomaram café sob a custódia de Alan, o guia turístico, que não parava de consultar freneticamente o relógio de pulso com o qual parecia ter nascido, numa compulsão absurda por cumprir detalhadamente o roteiro de visitação que havia criado para matar os pobres alunos do segundo ano. Seu plano era tê-los mortos no fim do dia, para que dormissem todos logo após o jantar.

   Assim que entraram no ônibus, o adorado guia turístico começou a lavagem cerebral em torno daquela nova propaganda do Governo do Estado do Ceará, “ô, ceará, eu vou, eu vou, eu vou te visitaaar, te curtiiir, te dividiiir, pra todo mundo vou te mostraaar...” – após 30 minutos de repetição, a melodia era simplesmente enlouquecedora.

   Depois de algum tempo dentro da condução, os ouvidos começaram a tapar em função da variação de pressão atmosférica: estavam em Juazeiro, subindo a colina do horto, rumo aos pés de Padre Cícero Romão Batista, com direito à passagem pelo museu de cera.  Mais alguns minutos de caminhada já encontravam-se em meio à feira local, e desvencilhando-se dos vendedores de fitinhas coloridas, chegaram até o museu.

...

   Ela entrou devagar, absorvendo os detalhes das fotografias e peças expostas, mas ao chegar à sala das graças alcançadas, os arrepios espinhais sucessivos que sentiu ao visualizar as centenas de mãos e pés e cabeças de madeira pendurados fizeram-na caminhar rapidinho porta a fora, e instintivamente, seguir rumo à luz que vinha da beira da chapada, de onde pôde contemplar uma das mais belas vistas da depressão sertaneja: feito uma panela de barro, a chapada circundava (e cozinhava) as cidades do Geopark Araripe, guardiãs das riquezas arqueológicas cearenses... Um completo deleite para os olhos, que, afogados na amplitude da visão, nem sabiam o que enxergar primeiro...
   
   Deixou-se estar ali, por nem sei quanto tempo, absorvendo o esplendor da paisagem à sua frente, observando os pássaros a brincarem livres naquele magnífico cenário, desejando ardentemente possuir asas que lhe permitissem mergulhar em todas aquelas cores, almejando fundir-se a toda aquela beleza que lhe chegava aos olhos em doses fortes demais para que resistisse ao sorriso que se formou no canto de sua boca, e que ali ficou...
   
   O que se via ali era no mínimo, surpreendente... Em meio ao forte calor, à sequidão em que encontrava-se a vegetação pela falta de chuva e apesar das inúmeras carcaças de gado morto que via-se pelo caminho, a natureza insistia em transmitir seus sinais inconfundíveis de beleza, como que a dizer, infinitamente:

“Enquanto houver vida, haverá esperança...”

   Mantendo os olhos vívidos, ela deixava-se embriagar pela paisagem, abobalhada com a plenitude que a cena lhe transmitia, a alma feito camaleão fotografando lentamente cada detalhe do que via e inevitavelmente colorizando-se com as cores daquele Cariri que mesmo seco, emanava vida...

   
E só por aquele momento, já valera a pena estar ali...


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