segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Réstias

Às flores que caíram ainda em botão
Furtadas da sorte de se abrir
Repletas de vir a ser

Desejo que as cores guardadas dentro - tesouros sabidos só por elas
Sejam suficientes para colorir os dias restantes

Que as pétalas fechadas sejam escudos
Que o mistério de dentro resolva a imensidão das possibilidades externas

Que bastem as cores.

Que bastem os dias azuis e os dias cinzas
Que baste imaginar o crepúsculo e as estrelas

E que baste à nós, furtados de sua beleza
Encontrar nas pétalas fechadas o contorno do mistério que guardamos dentro


* * *


Texto escrito em 25 Maio de 2021
Não lembro muito bem o motivo, mas lembro. 
"E o meu coração, embora finja fazer mil viagens..."

sábado, 22 de janeiro de 2022

Mant(r)a

Escolhi no tempo
linhas pardas e fios de prata
resgatei novelos

Teci no vento 
a trama forte e exata
segui os apelos

Estive pronta
Abri as portas
Adormeci
Choveu

Acordei no tecido 
encharcado, úmido, pesado

Olhei em torno
perdi todas as minhas bordas

Me vi no jogo
a trama densa respingava

Senti a obra ensopada
o mofo que veio
os musgos
o abafamento

Sim
era tarde

E me dei outras tarefas
arrumar a casa
aguar as plantas

E a manta,
pendurar ao sol

Expor ao tempo
puxar de vez em quando 
um de seus fios
e lançar nas águas

O algodão é biodegradável
(a prata, não) 


***

sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Serranos

88 metros acima 
do nível do mar

Aqui o ar é mais rarefeito
a falta do oxigênio 
torna essa gente
menos sã

e mais calma

Uma leseira 
de quem se expande
devagar

Se poupa 
pra poder 
espreguiçar

Com mais calma ainda

Esse povo da serra 
se enraiza demais 
nos afetos

Exagerados

Se engalfinham na terra 
como quem precisa 
evitar um desastre

Perfuram, ávidos
as camadas de solo
desenham em si 
uma rede imensa e etérea 

São vastos

Como quem sabe 
que molda em si 
o caminho 
das águas subterrâneas

Para assim 
fazer nascerem as fontes
Para assim 
fazer brotarem florestas

As águas que brotam nessas raízes 
alimentam mares inteiros


***

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Fluxo

Os tempos, 
quando se decidem
des iguais 
               e 
des
      com 
             passados

As luas, quando se fazem
minguantes, de dormir

Car regadoras 
de tudo 
que foi m a r  é

Quando 
baixa 
o fluxo
 
Quando 
se movem 
os fixos

Quando 
se fica 
de ré

   novas 
             configurações 
se fazem


Não tem força que f i  x   e


Tudo ali é  t
                    r
                      a
                       n 
                         s
                           i
                            t
                             ó 
                                r  i  o


movente, movedor


Acolhedor 
d e   e  x  p  a  n  s  ã  o 
e contração ,

c            i  
   í      l       c
      c              o  
                          .
       


* * *