domingo, 23 de agosto de 2020

Dispersão de sementes

Quando eu virar terra
meus desejos cessarão
toda palavra que erra
vira pó do chão
o poema que escrevo
as folhas cobrirão

quero virar formigas
pulsar nas veias das lagartas
suprir as folhas de seiva
escorrer nas águas dos rios
desaguar no mar

meus pedacinhos virarão
besouros
folhas
novos galhos
sementes...

renasço.


*

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Trilha


Se houverem outras dimensões, e se o tempo-espaço for dobrável, e atravessável, e se meu corpo disso soubesse antes que minha mente pudesse aceitar como verdade, então haveria explicação justificável para a confusão-explosão dos sentidos ao te ver.

Se para o corpo adivinhar o sentir do futuro fosse fácil e lógico, se para o tato o dia do toque estivesse logo ali, ao alcance da sabedoria da pele, eu entenderia o descontrole do termostato e do fluir das águas de meus rios - e lhes daria razão.  

Tenho uma teoria: o desejo é um portal atravessável entre dimensões.

Cada vez que ele surge é uma porta, uma trilha. A cada nova porta, curvas, retas, desvios, recomeços. O desejo é sintoma, propulsão e pólvora.
Explode no corpo como o grito da alma que não pode se locomover sozinha, que percebe os descaminhos antes dos meus olhos. 
Que aponta as mudanças necessárias. 
Que quer me arrastar para uma nova porta.

A porta que vejo agora não é a da minha casa, a porta é você.
Olhando pela fresta dos seus olhos miúdos, vislumbro a dimensão outra que se estenderia se eu te atravessasse.  

Uma ideia: atravessar você. Estremeço.

E adivinho no corpo este poema escrito nos seus braços e mãos.
Em meus braços, em minhas mãos, com minhas mãos.
Me atravesso em você. Imagens, sons e cheiros, memórias criadas.  

Palavras me atingem de raspão.

Explodo.  


* * *

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Ironia

há flores em agosto
a muito custo e meio sem rosto
brotando do desgosto
desenganadas mas de riso exposto
habitam o compasso decomposto


*