sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Adventos

Desejo é uma nuvem quente
corrente
demente

é nevoa densa de corte
apelo solene à morte
é se lançar à sorte




*

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Desconhecido

só te conheço em verso
contorno em meio a neblina que sou
vertigem em meio a imagem que fui

imagens são sons em mim
palavras são verdade 
e se encarnam

só te conheço em verso
e ainda assim, que mal
delineio em você o que quero ver

costuro a fantasia da completude
e veja bem, pra você vestir

se vista de mim
me reflita
me espelhe

sejamos gêmeos
almas gêmeas, não
sejamos cópias
não complementares

seja a mim,
e aí me seja


*

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Onça-pintada

Sinto primeiro os indícios no ar. Sigo pelo cheiro.
Como cega.
Silente, experimento a imersão em mim pelo olfato. 
O mapa é traçado.
Sigo.

Chega muito depois nos outros sentidos.
A vibração do som e os primeiros lampejos na retina já são a explosão dos músculos incontidos, urgentes, obstinados na tarefa.
A tarefa é a morte.
A morte é minha vida.
O cheiro do sangue é sinal de que minhas veias continuarão a pulsar.

Circundo o território, numa espera paciente de seu deslize.
Me deito. Me levanto. Rio e converso. 
Faço estas e outras coisas, ocupo as mãos e a mente - seu cheiro não abandona minha pele. 
Estou consciente da sua presença no ar. 
Memória elétrica, você é coisa que reverbera.
Minha existência parece ter sido forjada para tragar a sua.
Desculpa.

Assustei você?


*