Habitava casas não-suas
conchas
conchas
cascas de outros seres ausentes
O molde de uma antiga vida
lhe fazia crer
que novas poderiam surgir
As cascas crustáceas
por vezes rachadas
lhe cutucavam a pele:
sempre achava
que poderia reformar
Misturava-se aos corais
avistava novos invólucros coloridos
Quanto mais bonitos mais vazios
às vezes até inertes:
nunca nem houvera vida ali
Confundia latas velhas
de refrigerante
com abrigos
E copos descartáveis retorcidos
com uma forma nova
e revolucionária de morar
Tentava, testava,
experimentava
nada parecia tão bom
quanto a casca anterior
Caminhava na melancolia
do que se fora
do que fora
O antigo ser que se apertara
pra caber em casas não flexíveis
Como pés que se quebraram
para entrar em sapatos pequenos
Até que veio um estralo
um espelho
um palpite:
já tinha invólucro,
barreira,
fronteira,
limite
Seu exoesqueleto
quitinoso
era mesmo
duvidoso
mas ainda frágil
o corpo-casa
lhe bastava
Continuou a dançar
em conchas
mas então
refizera as contas
e era assim de outra
margem que olhava:
Ao invés de
clausura e cárcere
decidiu acolher
a casa
que de tão leve
e frouxa
lhe fosse asa
* * *