segunda-feira, 21 de junho de 2021

Bálsamo

sempre haverá 

encontro nas ausências

milagre nas carências

pão para a alma

sopro 


oculto em meus buracos,

Deus. 


me habitará

como sol atrás do monte

aguardando que eu me apronte

luz nas retinas

vento


*

quarta-feira, 9 de junho de 2021

Lagarta

Há um processo longo e doloroso até chegar o momento em que a lagarta , em sua imobilidade, se descobre possuidora de asas.
No momento em que elas descobrem, precisam sair dali. 
Por que razão as lagartas permaneceriam no casulo após se saberem possuidoras de asas? 
Porque manteriam as asas encolhidas, úmidas de gosma e tristes? 
Será a fome a desencadeadora de movimento? 
Ou será o sentir-se tão leve a ponto de quase sumir?


*

sexta-feira, 4 de junho de 2021

Rãs e estrelas

Quero ter sempre os olhos de enxergar a hora em que as rãs acordam. 
A hora em que as rãs acordam é a mesma em que os pássaros se arrumam pra dormir. 
O despertar dos pulinhos sobre as folhas é a canção de ninar favorita das rolinhas , que por isso nem  precisam cantar pro seus filhotes miúdos. 

O dia em que percebi que elas tinham hora pra sair das tocas foi uma coisa engraçada: toda vez que eu tomava meu café da tarde no quintal eu sentia uma ou outra pular gelada nos meus braços e pernas. 
Acho que esse acontecimento repetido, sensorial, que sempre me arrancava uma risada e um olá foi o responsável pela descoberta posterior. Passei a mapear com os olhos os caminhos que elas faziam e percebi que eram percursos ascendentes. 
As danadas pareciam sempre brotar do chão e subiam espertas pelos pés de madeira do caramanchão e pelos galhos da árvore e plantas. 

Um outro dia percebi que muitas delas passam o dia no encanamento de água, e que ficavam ali agrupadinhas, na boca do cano, esperando o momento certo de emergir no entardecer. Em certo momento a boca do cano está vazia, e no outro começa a surgir ali um colar e um recheio de rãs aglutinadas como escolares impacientes há minutos do recreio. 
Ainda não sei ao certo se a medida da hora é a temperatura do ar, ou se é quantidade de luz, ou se é o barulho das apetitosas muriçocas que lhes convoca pro café da noite sob o céu estrelado. 
Mas que tem uma hora, lá isso tem. 

Uma primeira rã inaugura o instante e faz seu primeiro salto. 
As outras a seguem aos poucos, e se seguem minutos e minutos da melodia de saltinhos gelados por todo lado. 
Se você ficar bem paradinho consegue ouvir tudo. 

Enquanto a melodia encorpa, a cortina de luz do céu se fecha e os tons de azul se aprofundam , como se o jogo de luz e cor fosse estratégia  planejada pra experiência do público.
O público aqui agradece.
Cessam as palmas.
Começa o próximo ato : estrelas. 

Quero ter sempre tempo de olhar as estrelas, e de notar o tom de azul mutável enquanto elas nascem no entardecer...


*