domingo, 29 de agosto de 2021

Lembrete

Lembrar que nunca seremos suficientes
que a humanidade é exatamente 
sobre a falta, sobre os buracos

A falta move a procura
guia a transformação

Estamos aqui não para encontrar 
o preenchimento de fato, 
mas para caminhar na direção do mutável

Que seja doce cada aprendizado
Que cada dia do processo valha e seja vida
Que a vida inteira seja inteira de vida


*

domingo, 22 de agosto de 2021

Lua azul

Os fazeres com que ocupamos as mãos 

nos transformam

Traços, rabiscos, agulhas e linhas

Colheres, réguas, compassos

Níveis de bolha e pá

Me constituem

Trocam fagulhas com meu dna

Flertam com os genes sem no entanto

neles se expressarem


Ou talvez se expressem


E nossos microscópios ainda não sejam

potentes o bastante para traduzir estas

belezas herdadas em mistério

Em silêncio

Em ato repetido

Em ritual cotidiano


Características adquiridas 

entre os bolos de milho e as conversas da tarde

Entre o mingau de carimã e o boa noite

Bordadas em minha pele feito as colchas

de restiliê


Pelas frestas das quais me tornei

permeável à você, senhora

Minha amiga

Meu par

Minha avó.


* * *

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Dúvida

Pequenas doses de dor
venenos na alma
pedra na vidraça, tiro

Por fora 
um pequeno orifício
por dentro, sangria

dilaceração
hemorragia interna
órgãos desvitalizados

será isso o amor?


*

terça-feira, 17 de agosto de 2021

Lua crescente

Ajunto evidências da minha loucura : 
Ser sã não me atrai muito

Adoro andar pelas tardes a caçar o sol
Uma réstia que venha pela brecha dos olhares
Coleciono todas num mural

Me reviro em busca de réstias :
em mim, nada.

Cisco o chão de mim em busca de folhas ou galhos
Qualquer coisa que me lembre

Perdi todas as palavras
Letras e arquivos se foram 
Minha memória já não basta também

Quero lhe ver

À cores, em cheiro e tom
Seus cabelos no vento 
e olhos nos meus


*