sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Lembranças do presente


É só o vento soprar de leve e a noite estar repleta de estrelas ou de nuvens ou de luz de lua, ou até nem ser noite ainda e o sol sei lá onde se escondeu que eu só vejo as indecisas cores crepusculares mixadas no azul, ou ainda que o mesmo vento seja só brisa - um quase nada de ar mexido que timidamente se faz sentir na fineza do tato da pele, ou até que nada me faça lembrar...

Ainda assim, o nada me lembra de uma coisinha acolá que não posso esquecer... A melhor que já me aconteceu. O melhor presente que a vida me... Deus.

E só pode mesmo ter vindo do alto uma invenção assim escandalosa, de tão boa que é.

É meu I feel good so good so nice, é quem me traz aos ouvidos todos os refrões de todas as canções que eu gosto de cantarolar: e é refrÕES sim, desobediência deliberada ao plural, que é pra rimar e deixar correr estas letras que me fervilham as entranhas protestando tinta e papel e flor de laranja lima...

Ah, quer saber? Que se dane a norma culta com toda a sua estética normativa e normalizante e que a nova ortografia faça rei o neologismo: precisa-se de palavras novinhas em folha pra escrevinhar mais nitidamente a sombra do sentir que sinto! Ó, sim! Um dicionário inteiro com fusões das mais belas palavras em outras novas que talvez consigam especificar o que se sente ao se sentir assim...

Ó, e que venham as redundâncias! Que se vista de pleonasmos o meu discurso! Quem sabe assim ele expresse mais claramente o quanto entra pra dentro das veias isso que chamam de amor, que invade sem pedir licença e que feito João de Barro faz o ninho em pura simplicidade, com o próprio pó de que somos feitos, naquele buraquinho da alma que faltava pra fazê-la inteira...

É o que tem feito a sua vida na minha vida... Ela virou mais inteira, mais completa, mais densa e intensa apesar de senti-la inexplicavelmente mais leve cada vez que cai a ficha de quanta sorte tenho de te ter...

Ah, quem me dera uma aliteraçãozinha qualquer, escrita de um jeito que finalmente me fizesse fazer ouvir algo feito o teu sussurro, sibilando suave sobre a suspeita de saber que sei que sou sua, simplesmente...

É tão rara a reciprocidade de um amor nestes tempos... Tempos que se dizem tão modernos, mas que privam cada vez mais gente da explosão evolutiva que é o exercício do amor, da iluminação que é amar... Curiosamente, somos raros.  E quem tem a raridade nas mãos vira guardião eterno de algo que encontra-se cada vez menos num mundo que sucumbe à superficialidade das aparências, à futilidade da estética...

Quem tem a raridade nas mãos sabe o quanto a superficialidade opõe-se à profundidade do amar, e descobre-se cada vez menor diante da grandeza daquilo que guarda... 

Quem ama descobre que tem gotinhas de divindade misturadas ao próprio sangue, pequenas partículas da perfeição divina concedidas a nós mortais...

Desconfio de que quando o Criador disse que somos feitos à sua imagem e semelhança, o que ele queria mesmo era nos contar um segredo: o de que, feito ele, somos capazes de amar.
Feito ele, temos um coração que é o perfeito habitat do amor.