É só o vento soprar de leve e a noite estar repleta de
estrelas ou de nuvens ou de luz de lua, ou até nem ser noite ainda e o sol sei
lá onde se escondeu que eu só vejo as indecisas cores crepusculares mixadas no
azul, ou ainda que o mesmo vento seja só brisa - um quase nada de ar mexido que
timidamente se faz sentir na fineza do tato da pele, ou até que nada me faça
lembrar...
Ainda assim, o nada me lembra de uma coisinha acolá que não
posso esquecer... A melhor que já me aconteceu. O melhor presente que a vida
me... Deus.
E só pode mesmo ter vindo do alto uma invenção assim
escandalosa, de tão boa que é.
É meu I feel good so good so nice, é quem me traz aos
ouvidos todos os refrões de todas as canções que eu gosto de cantarolar: e é
refrÕES sim, desobediência deliberada ao plural, que é pra rimar e deixar correr
estas letras que me fervilham as entranhas protestando tinta e papel e flor de
laranja lima...
Ah, quer saber? Que se dane a norma culta com toda a sua
estética normativa e normalizante e que a nova ortografia faça rei o
neologismo: precisa-se de palavras novinhas em folha pra escrevinhar mais
nitidamente a sombra do sentir que sinto! Ó, sim! Um dicionário inteiro com
fusões das mais belas palavras em outras novas que talvez consigam especificar
o que se sente ao se sentir assim...
Ó, e que venham as redundâncias! Que se vista de pleonasmos
o meu discurso! Quem sabe assim ele expresse mais claramente o quanto entra pra
dentro das veias isso que chamam de amor, que invade sem pedir licença e que
feito João de Barro faz o ninho em pura simplicidade, com o próprio pó de que
somos feitos, naquele buraquinho da alma que faltava pra fazê-la inteira...
É o que tem feito a sua vida na minha vida... Ela virou mais
inteira, mais completa, mais densa e intensa apesar de senti-la
inexplicavelmente mais leve cada vez que cai a ficha de quanta sorte tenho de
te ter...
Ah, quem me dera uma aliteraçãozinha qualquer, escrita de um
jeito que finalmente me fizesse fazer ouvir algo feito o teu sussurro,
sibilando suave sobre a suspeita de saber que sei que sou sua, simplesmente...
É tão rara a reciprocidade de um amor nestes tempos...
Tempos que se dizem tão modernos, mas que privam cada vez mais gente da
explosão evolutiva que é o exercício do amor, da iluminação que é amar...
Curiosamente, somos raros. E quem tem a
raridade nas mãos vira guardião eterno de algo que encontra-se cada vez menos
num mundo que sucumbe à superficialidade das aparências, à futilidade da
estética...
Quem tem a raridade nas mãos sabe o quanto a superficialidade
opõe-se à profundidade do amar, e descobre-se cada vez menor diante da grandeza
daquilo que guarda...
Quem ama descobre que tem gotinhas de divindade misturadas
ao próprio sangue, pequenas partículas da perfeição divina concedidas a nós
mortais...
Desconfio de que quando o Criador disse que somos feitos à
sua imagem e semelhança, o que ele queria mesmo era nos contar um segredo: o de
que, feito ele, somos capazes de amar.
Feito ele, temos um coração que é o perfeito habitat do amor.