segunda-feira, 9 de abril de 2012

O começo do fim de uma nuvem de névoa

   Às gotas, tudo ia ficando claro. À longuíssimas pausas, a névoa se dissipava, liquefazia-se. O orvalho começava a escorrer em rios, e ela sorvia cada gota. E estas amoleciam-lhe a alma. Como aquele sorriso. Aquele meio sorriso, bobo, inconsciente, que ele deixara escapar aos lábios. E ela vira.

   Seu olhar fotografou aquilo. Sua mente arquivou. Era uma gota a mais.
 
   Agora... só restava aquela velha dúvida sobre a veracidade do que via, do que ouvia... mas não podia esquadrinhar-lhe os pensamentos, analisar-lhe os fundamentos da razão... isso não podia. Infelizmente não podia. Ainda não tinham criado métodos para isso. Mas... ah, como queria!

   Se ao menos pudesse, por uns breves minutos, investigar-lhe a alma como Deus desvenda os pensamentos mortais...

   É que aquele olhar e aquele sorriso lhe eram tão compreensíveis quanto o latim a um desletrado... o coração traduzia-os como verdade, entretanto a razão não lhe deixava crer. A razão contestava até mesmo as palavras, julgando-as possivelmente fingidas. "Talvez seja tão acostumado à dizer inverdades que o que  quer que diga soa verdadeiro". Afinal, uma mentira mil vezes dita traduz-se facilmente em verdade, não é mesmo?

   Mas, aos poucos, toda aquela névoa se dissipava. A dúvida ia-se embora.

   E o orvalho lhe corria em rios, que banhavam-lhe a alma, abrandavam a fúria da razão e sobretudo, esculpiam-lhe na face umas linhas tão belas que... oh, espere, parece...

Sim!

Aquilo sem dúvida era nada mais nada menos que...um sorriso. E ele se esculpira tão lentamente que sua autenticidade jamais poderia ser contestada. Ela sorria sim. De corpo, alma, e juízo. À gotas, a névoa chegava ao fim.