quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Letras

Escrever é como querer fixar no papel os pigmentos voláteis da experiência, como tentar segurar no ar o perfume fugaz do instante eterno.
É desespero em capturar e reter a beleza nas mãos, essa criatura volúvel que vez ou outra concede o ar de sua graça aos nossos sentidos.
É mastigar e reprocessar o vivido sob outra ótica, reinventar a cena em outras paletas e poder escolher o foco e o contraste.

É lugar propício para matizar a dor e tornar bela a saudade.

A letra no papel é exata em criar entrelinhas e reticências, em dar espaço a tudo que vier com os olhos que a leem, em embalar juntos a concretude e o vir a ser na mesma dança.
Em justapor universos paralelos múltiplos e maravilhosos e em cunhar nas palavras um portal para revisitar as memórias, romper as dimensões.
Enquanto espalho as letras, sinto-me espalhar na eternidade.

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terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Teia

Se exibe na medida em que se ilude.
Se engana tanto quanto pensa que engana.
As formas e fôrmas ilusórias se confundem com o espelho :
não pode saber o que é imagem quando se fez objeto.

Os contornos da realidade se perdem no ar em mais um clique, em mais um minuto de veneração à imagem do desconhecido. De vários desconhecidos, já que a página nunca chega ao fim.

A teia não pergunta sobre a vontade de continuar em transe : não há respiro nem pausa.

Enquanto aspira profundos tragos das vidas alheias, abandona a sua própria.
Ou cria uma outra, paralela e em cores mais vivas, com enquadramento melhor...
No fim do dia, se ambas as platéias tiverem sido convencidas, terá ganho a noite.
Aos poucos nos deixamos, perdemos a alma.

*