sábado, 19 de fevereiro de 2022

Casa

Estou morando em olhos nenhuns
A minha casa, a beira das cajazeiras
Me abre para dentro como as janelas 
Se abrem para o sol 

As minhas portas, escancaradas pelo vento 
tudo recebem de cor e de cór 
e deixam fluir

Ainda há cascalhos
E conchas
E muito lixo em minhas águas
E tudo se mistura e transborda 
nas abundantes gotas fevereiras 

Até pareço um tanto mais fluida 

E palavras me atravessam
E canções me atravessam
E batuques e danças 
me transpassam 

Me transponho 
para tons agudos
Garganta e corpo 
vibram em outras notas 

Me componho 
em pautas livres
Em meus pés que dançam 
em outras paisagens 

Me aproximo de energias mais densas 
Olhos repletos de magnetismo
Corpos que acolhem 
Mãos poderosas
Fervuras em potências de mover 
Liberdades construídas de muitos jeitos

Gente que samba ao som das marés
Que pula em brincadeira e ritmo
Que tem prazer em se deixar levar 

Olho 
Guardo 
Coleciono
Fotografo no olho
Agradeço 

Sinto 

Ainda não vi nada, 
nada sei. 



                 " Desde que sim 
                   eu vim
                   Morar
                   (Nos meus) olhos". 
                   inspirado em Âmbar, da Adriana Calcanhotto
                        https://www.youtube.com/watch?v=kEkK5_JyY4k




* * *

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Corpo de luz

É bonito regar com os olhos míopes outros olhos de sonho
Tecer linguagem no corpo de luz da lua 
Trançar os fios que ligam ao outro lado da rua 

Você, miragem
Não prevê o peso da bagagem
Não recua nem desenha margem
Não deseja forma nem imagem 

Me afundo em seus olhos profundos
E mesmo assim não fecho as portas
Te digo que as vezes, desavisados
Quando você abre a guarda 

Enxergo de relance os seus segredos
Seus pedidos sem palavras 
Você diz não querer nada
Mas sei : o mundo inteiro já é seu 

Quando você baixa a guarda
Quando pisca 
Quando pausa entre os assuntos
Fica tudo muito à vista 

Sua insistência em me chamar estrela
Seu amor pelos vaga lumes 
Pelas réstias de luz 
Suas semicoisas 

Saiba
Pois
Todas as coisas me contam
Cochicham 

Indicam
Apontam teus olhos
Segredam teu dentro
Tuas constelações 

Me abrem teu peito 
Denunciam você
Num relance descubro
Num descuido percebo 

Relembro teu olho : tudo cabe
Muito espelha no que vê 
Quando você é silêncio,
Da superfície se lê.

Respiro,
Olho dentro:
Te vejo. 

Seus olhos 
tem jeito de infinito.


*

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Vaga-lumes

Seus olhos
Lampejos da noite
Pedem tudo num átimo 

Suplicam urgentes
todas as coisas fundas
Profundas águas vastas
Que não cabem nos mares 

Que matéria corpórea 
Que textura de pele 
poderia acolher 

Todos os barris de pólvora 
Tantos relances
Todos os tiros
Todas as letras 

Que estrutura elástica 
Aceitaria de bom grado 
Ser atingida por suas enchentes
Estar sujeita aos desmoronamentos
Ser floresta submersa
Reconfigurada
Igapó 

As folhas se alastram
Com a chegada das chuvas
Os olhos das matas ressurgem 

E lampejos começados discretos
Como luzes vagantes 
Terminam dentro
Acesos como o sol


*