terça-feira, 15 de maio de 2012

O fanfarrão


Que fazer quando o vazio é tudo que te preenche? Quando o vácuo é o teu esqueleto, é o que te põe de pé? Que sentir se este seco sentimento povoa-lhe cada minúsculo espaço entre entranhas?  

Esvaziara-se de tudo exatamente para que não restasse nada. Nem sequer a dor. Deixara escapar deliberadamente qualquer coisa que chegasse próxima ao sentir. Era aquela a única maneira de poder continuar. A prática lhe ensinara a separar as reações corpóreas das emocionais. E no fim, seu ser inteiro encontrava-se dependente do vazio pra manter-se sólido. Era duro, impenetrável. Insolúvel . Incorrigivelmente gélido. E oco.

Na sexta à noite, desligava o celular e saía à farra. A noite inteira. Acordava geralmente ao meio dia, numa cama que não era a sua. Com o cheiro que não era o dela.  E a dona do cheiro da vez nem estava mais ali. Como sempre. Tanto faz, melhor assim.  Ia pro seu apartamento de solteiro, banhava-se e ia curar a ressaca na cama. Dormia o resto do dia, acordava por volta das sete da noite, banhava-se, vestia uma camiseta limpa, e saía novamente.  Enchia a cara no barzinho da boate e ia caçar. Acordava tonto na manhã de domingo, numa outra cama, com o cheiro de uma outra caça, num quarto de outra cor. Corria pro apartamento, banhava-se e caía na cama. Feito pedra, permanecia ali até por volta das três da tarde.  Acordava, e só então ligava o celular. 10 novas mensagens, 22 ligações perdidas... Carla, Juliana, Ana Clara, Mary, Laurinha, Cláudia, Beatriz... ahh, com um cardápio extenso desses, é uma pena que ter de ir trabalhar no dia seguinte!  Pensava, pensava, e escolhia uma. Dessa vez não bebia e voltava pra casa mais cedo, por volta das 2 da manhã. 
Dormia umas horinhas e acordava pra mais uma semana de negociações e contratos assinados.

E como se nada tivesse acontecido, nada sentia. No rosto, jazia o mesmo sorriso sexy da semana passada.  No ar ficava o rastro perfumado de sempre. Cheiro de fera, dragão.  E olhar de anjo, é claro. A armadilha perfeita.  
Por dentro, o mesmo vazio de sempre. Nem sombra de sentimentalismo. O oco era o modo como escolhera viver.

Assim, não vivendo, ele existia.

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