Que fazer quando o vazio é tudo que te preenche? Quando o
vácuo é o teu esqueleto, é o que te põe de pé? Que sentir se este seco sentimento povoa-lhe
cada minúsculo espaço entre entranhas?
Esvaziara-se de tudo exatamente para que não restasse nada. Nem
sequer a dor. Deixara escapar deliberadamente qualquer coisa que chegasse
próxima ao sentir. Era aquela a única maneira de poder continuar. A prática lhe
ensinara a separar as reações corpóreas das emocionais. E no fim, seu ser
inteiro encontrava-se dependente do vazio pra manter-se sólido. Era duro, impenetrável.
Insolúvel . Incorrigivelmente gélido. E oco.
Na sexta à noite, desligava o celular e saía à farra. A noite inteira. Acordava geralmente ao meio
dia, numa cama que não era a sua. Com o cheiro que não era o dela. E a dona do cheiro da vez nem estava mais ali.
Como sempre. Tanto faz, melhor assim. Ia
pro seu apartamento de solteiro, banhava-se e ia curar a ressaca na cama.
Dormia o resto do dia, acordava por volta das sete da noite, banhava-se, vestia
uma camiseta limpa, e saía novamente.
Enchia a cara no barzinho da boate e ia caçar. Acordava tonto na manhã
de domingo, numa outra cama, com o cheiro de uma outra caça, num quarto de
outra cor. Corria pro apartamento, banhava-se e caía na cama. Feito pedra,
permanecia ali até por volta das três da tarde.
Acordava, e só então ligava o celular. 10 novas mensagens, 22 ligações
perdidas... Carla, Juliana, Ana Clara, Mary, Laurinha, Cláudia, Beatriz... ahh,
com um cardápio extenso desses, é uma pena que ter de ir trabalhar no dia
seguinte! Pensava, pensava, e escolhia
uma. Dessa vez não bebia e voltava pra casa mais cedo, por volta das 2 da
manhã.
Dormia umas horinhas e acordava pra mais uma semana de negociações e
contratos assinados.
E como se nada tivesse acontecido, nada sentia. No rosto,
jazia o mesmo sorriso sexy da semana passada.
No ar ficava o rastro perfumado de sempre. Cheiro de fera, dragão. E olhar de anjo, é claro. A armadilha
perfeita.
Por dentro, o mesmo vazio de sempre. Nem sombra de
sentimentalismo. O oco era o modo como
escolhera viver.
Assim, não vivendo, ele existia.
*
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