domingo, 21 de fevereiro de 2021

Semiárido

Não tenho medo dos ares áridos 
ressequidos, desaguados
do chão que racha

temo as palavras secas
fios cortantes

evaporam um mar inteiro 
mesmo que se finjam suaves

ressecaram todas as minhas águas

da pele
dos olhos
da boca
de mais dentro

todos os meus fluidos se foram

quero as palavras úmidas
fluidos novos
fluidez

nadar no rumo da maré
remar com o vento
caminhos abertos


*

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Ano novo

 A chuva parece que desacelera o ritmo das coisas.


Quem olha pra ela parece adentrar numa massa de nuvens onde tudo é como caminhar dentro d'água.


As gotas muitas deste janeiro úmido fazem brotar do chão as mariposas e as formigas com asas, meu grande mistério. Pequeninas, vêm aos montes rodopiando no ar à procura de uma lâmpada quentinha que as acolha.


Deixo que pousem em mim - ainda sou alguma chama.


Olho para este imenso oceano úmido de janeiro como quem não sabe nadar, e atravesso os dias da única maneira possível :
boiando. 



* * *

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Fio

Ainda há o fio
fino
frouxo
tênue
quase invisível

que carrega as coisas que eu penso
vagamente
pra você

o que chega aí 
é quase um murmúrio
um vento
um quase nada
uma sensação 

de que é coisa da sua cabeça
de que fios se partem 
de que amores e quereres se vão
que são vãos

vez ou outra acordo 
com uma canção no ouvido
vinda de um sonho
cantada na voz

cantada em sua voz, não na minha
não produzi aquilo, não poderia

acordo
sento
escrevo
e canto

a canção foi o fio que mandou de você



*