sexta-feira, 4 de junho de 2021

Rãs e estrelas

Quero ter sempre os olhos de enxergar a hora em que as rãs acordam. 
A hora em que as rãs acordam é a mesma em que os pássaros se arrumam pra dormir. 
O despertar dos pulinhos sobre as folhas é a canção de ninar favorita das rolinhas , que por isso nem  precisam cantar pro seus filhotes miúdos. 

O dia em que percebi que elas tinham hora pra sair das tocas foi uma coisa engraçada: toda vez que eu tomava meu café da tarde no quintal eu sentia uma ou outra pular gelada nos meus braços e pernas. 
Acho que esse acontecimento repetido, sensorial, que sempre me arrancava uma risada e um olá foi o responsável pela descoberta posterior. Passei a mapear com os olhos os caminhos que elas faziam e percebi que eram percursos ascendentes. 
As danadas pareciam sempre brotar do chão e subiam espertas pelos pés de madeira do caramanchão e pelos galhos da árvore e plantas. 

Um outro dia percebi que muitas delas passam o dia no encanamento de água, e que ficavam ali agrupadinhas, na boca do cano, esperando o momento certo de emergir no entardecer. Em certo momento a boca do cano está vazia, e no outro começa a surgir ali um colar e um recheio de rãs aglutinadas como escolares impacientes há minutos do recreio. 
Ainda não sei ao certo se a medida da hora é a temperatura do ar, ou se é quantidade de luz, ou se é o barulho das apetitosas muriçocas que lhes convoca pro café da noite sob o céu estrelado. 
Mas que tem uma hora, lá isso tem. 

Uma primeira rã inaugura o instante e faz seu primeiro salto. 
As outras a seguem aos poucos, e se seguem minutos e minutos da melodia de saltinhos gelados por todo lado. 
Se você ficar bem paradinho consegue ouvir tudo. 

Enquanto a melodia encorpa, a cortina de luz do céu se fecha e os tons de azul se aprofundam , como se o jogo de luz e cor fosse estratégia  planejada pra experiência do público.
O público aqui agradece.
Cessam as palmas.
Começa o próximo ato : estrelas. 

Quero ter sempre tempo de olhar as estrelas, e de notar o tom de azul mutável enquanto elas nascem no entardecer...


*

Nenhum comentário:

Postar um comentário