Quero ter sempre os olhos de enxergar a hora em que as rãs acordam.
A hora em que as rãs acordam é a mesma em que os pássaros se arrumam pra dormir.
O despertar dos pulinhos sobre as folhas é a canção de ninar favorita das rolinhas , que por isso nem precisam cantar pro seus filhotes miúdos.
O dia em que percebi que elas tinham hora pra sair das tocas foi uma coisa engraçada: toda vez que eu tomava meu café da tarde no quintal eu sentia uma ou outra pular gelada nos meus braços e pernas.
Acho que esse acontecimento repetido, sensorial, que sempre me arrancava uma risada e um olá foi o responsável pela descoberta posterior. Passei a mapear com os olhos os caminhos que elas faziam e percebi que eram percursos ascendentes.
As danadas pareciam sempre brotar do chão e subiam espertas pelos pés de madeira do caramanchão e pelos galhos da árvore e plantas.
Um outro dia percebi que muitas delas passam o dia no encanamento de água, e que ficavam ali agrupadinhas, na boca do cano, esperando o momento certo de emergir no entardecer. Em certo momento a boca do cano está vazia, e no outro começa a surgir ali um colar e um recheio de rãs aglutinadas como escolares impacientes há minutos do recreio.
Ainda não sei ao certo se a medida da hora é a temperatura do ar, ou se é quantidade de luz, ou se é o barulho das apetitosas muriçocas que lhes convoca pro café da noite sob o céu estrelado.
Mas que tem uma hora, lá isso tem.
Uma primeira rã inaugura o instante e faz seu primeiro salto.
As outras a seguem aos poucos, e se seguem minutos e minutos da melodia de saltinhos gelados por todo lado.
Se você ficar bem paradinho consegue ouvir tudo.
Enquanto a melodia encorpa, a cortina de luz do céu se fecha e os tons de azul se aprofundam , como se o jogo de luz e cor fosse estratégia planejada pra experiência do público.
O público aqui agradece.
Cessam as palmas.
Começa o próximo ato : estrelas.
Quero ter sempre tempo de olhar as estrelas, e de notar o tom de azul mutável enquanto elas nascem no entardecer...
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