sábado, 16 de março de 2024

Ora-pro-nobis

Quase nunca visto laranja
por fora
mas sempre por dentro

Nas cores das flores
no cobre do sol
nos flamboyants

Nas paredes cor de terra
nos crepúsculos
no tijolo de barro cru

Nas telhas da minha casa
atravessadas de luz,
nos tapetes

No mamão suculento
do café da manhã
nas tangerinas

Por dentro,
laranja é a cor
mais rente

latente
ardente
mais quente


* * *

sábado, 2 de março de 2024

Silêncio

 De vez em quando me vem um cansaço imenso de ser um ser que fala. 

As palavras parecem todas vazias de significado, a comunicação verbal um aparato inútil. Vejo os seres humanos ao meu redor, e eu mesma, articulando a boca sem parar e emitindo sons que nada dizem.

 Estamos perdidos uns dos outros. 

Tão ansiosos, tão cheios de porvir e esvaziados de presença. Parece que a gente se dilui na aceleração do tempo capitalista, viramos um borrão na tela, uma ideia fugaz, e mesmo ali diante do outro não passamos de uma rolada de feed. 

Radicalmente, esquecemos da gente mesmo. Parece que a gente flutua em tanta possibilidade que não é capaz de materializar nenhuma. 

Será que é isso, o futuro? Projeções mentais invisíveis sobre uma realidade cinza? 

Feeds coloridos e retinas incapazes de ver as cores reais? 

Gramas vizinhas sempre tão melhores que deixam o meu próprio jardim um lugar seco, desmerecido de cuidado e umidade? 

Tantas palavras me levam sempre a desejar o silêncio. 

Ah. 

Um longo e doce período de nada dizer.