domingo, 1 de janeiro de 2023

Dança

Findados os tempos de sequidão, o querer latente da terra é de se umedecer.

Os ares ásperos de sol que precedem estes quereres deixam as células sensíveis de todo um ecossistema árido mais que atentas - imóveis - e por isso mesmo em ponto de bala. 

A superfície das cascas aguarda ávida uma notícia só, parâmetro do desejo de enverdecer : a primeira chuva. 

É curioso. Os seres habitantes do cenário da seca, tão sóbrios e sábios, resilientes e estratégicos, ríspidos e aparentemente fechados em si, cascas grossas e espinhos, caducifólias e resistentes ao fogo, rainhas e senhoras da sobrevivência, depois de tanto aprenderem a se conter, feito mágica, derretem a dureza do ser no primeiro anúncio do escorrer das gotas. 

E antes disso, preparam em si o desejo de se lançar à trabalheira desgraçada da renovação : rumas e rumas de folhinhas e mini galhos novos, mini coisas brotando em explosão de fragilidade, numa abertura coletiva para de novo voltar a ser origem, criança, mata virgem. Adolescer. 

Depois de meses de se deixar perfurar de luz, do desabar impetuoso do céu sobre o chão, do esmagamento ardente do sol sobre o húmus, depois do consumir das matérias, a água abre espaço e rege a ação oposta. 

A penetração agora é no tecido do céu, vida verdejante contraposta ao azul total, avançando no corpo do ar. 

A mata cresce, devolve a si mesma seu volume, sua forma e sua abundância, empurrando de volta o que encolhera e ganhando espaço dentro de si. 

A vida rasga mata a dentro.

Rompe, desde a raiz , seu silêncio, e de bem dentro engendra a resposta à canção do sol : dança.


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