terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Romeu

Preciso, diariamente, sair pra passear com meu cachorro.
Ele que me leva.
Fica na beira do portão, no fim da tarde, até que eu apareça por lá carregando seu passaporte para o portal mágico: a coleira.
E ele fica igualmente feliz todas as vezes e em medida tamanha, que aprendi a também me botar feliz e tranquila a passear com ele pela rua. 
Ali, só há o instante. 
Ele me ensina a olhar de novo e de novo para cada matinho do caminho, me aponta como são preciosos. 
Me pergunto se foi nessa brincadeira que aprendi a gostar de planta que nasce na beira da estrada, que pode levar todo dia uma chuvarada de uréia que não morre. 
Que brota sem precisar de terra adubada ou de muita água, e mesmo assim é capaz de produzir beleza. 
Preciso, como preciso, todo dia olhar para essa serra e lembrar do seu nome - Laíla - e procurar nela os contornos femininos esculpidos pelos deuses. 
Preciso olhar pro resto de sol que emerge por entre os vales ou para as estrelas ou para a lua, pra como o tempo está, pra como a vida apenas é. 
Romeu me ensina a meditar quando no meio do passeio ele atravanca abruptamente e quase me faz cair no chão, por cima dele. 
É preciso estar atenta. 
Sem estar tensionada ou alerta. 
Isso não.
Apenas presente.
Olhar pros matinhos e ver que eles são jardim. Lembrar que essa beleza esquecida também me merece os olhos e os afetos. 
Lembrar que o vento bate no pescoço de um jeito muito humano quando eu amarro o cabelo. 
Lembrar que as coisas tem cheiro e que a mata tem som.
Tem sons. 
Que os sapinhos e os grilos estão lá. 
Que folha de árvore tremulando faz um barulhinho reconstrutor das possibilidades de vida. 
Que as palmeiras, que eu nem gosto tanto assim porque não fazem tanta sombra fazem um trabalho magnífico de recortar o pôr do sol. E de ajuntar maritacas. 
Prestar atenção que as cigarras são várias, e que cada uma diz uma coisa diferente sobre o dia. 
Hoje tem uma ali dizendo que vai chover.

* * *

Nenhum comentário:

Postar um comentário